VaideBet Corinthians: Relatório Final da Polícia Expõe Ligação com PCC e Desvios de Dinheiro - Entenda o Caso!

O Sport Club Corinthians Paulista, uma das instituições mais emblemáticas do futebol brasileiro, encontra-se no epicentro de um dos mais graves escândalos de sua história recente. O relatório conclusivo da Polícia Civil, com suas 272 páginas detalhadas, lança luz sobre uma complexa teia de eventos envolvendo o contrato de patrocínio com a VaideBet, apontando para um possível desvio de fundos e conexões perturbadoras. Após um ano de investigação minuciosa, que incluiu depoimentos e quebras de sigilos telemáticos e bancários, o desfecho aponta para o indiciamento de cinco indivíduos.

O Intrincado Caminho do Dinheiro: Da Fiel ao Crime Organizado?

A investigação policial, conduzida pela 3ª Delegacia do Departamento de Polícia de Proteção à Cidadania (DPPC), especializada em lavagem de dinheiro, revelou um percurso financeiro alarmante. Uma quantia significativa, R$ 1,4 milhão do montante repassado pelo Corinthians referente ao contrato com a VaideBet, traçou um caminho sinuoso, culminando na UJ Football, uma agência de agenciamento de atletas. Este fluxo de recursos se tornou um dos pontos mais críticos do inquérito.

A Rede Social Media Design, empresa envolvida na intermediação, realizou transferências para a Neoway Soluções Integradas, uma entidade que, segundo as apurações, estava registrada em nome de uma moradora da periferia de Peruíbe, no litoral paulista, que alegou total desconhecimento sobre as operações. Dali, o dinheiro seguiu para outras empresas, até chegar à UJ Football, como detalhado na tabela a seguir:

A UJ Football, alvo final desses recursos, ganhou destaque na investigação por suas supostas ligações com o Primeiro Comando da Capital (PCC), facção criminosa que atua no Brasil. O empresário Antônio Vinícius Lopes Gritzbach, assassinado em novembro de 2024 e delator do PCC, havia apontado a empresa como um dos elos da facção no universo do futebol. A agência, que tem entre seus clientes atletas de renome como Éder Militão, do Real Madrid, é de propriedade de Ulisses Jorge. A Polícia Civil aponta que, segundo Grizbach, o PCC utilizava a UJ Football para lavagem de dinheiro, com a participação de Danilo Lima de Oliveira, conhecido como "Tripa". Embora a empresa tenha reformulado seu posicionamento, inicialmente alegando que os valores seriam de transferência do jogador Emerson Royal e depois que eram "oriundos de negócios lícitos", sem especificar, a ligação com o Corinthians , via membros próximos a Augusto Melo, sugere uma possível conexão com o crime organizado.

Outro ponto de atenção no relatório conecta Haroldo José Dantas da Silva, presidente do Conselho Fiscal do Corinthians , à UJ Football. Fotos em redes sociais mostram o dirigente posando em frente a um banner da empresa, em um contexto de negociação de um jovem jogador. A Polícia Civil conclui de forma incisiva: ?Definitivamente, esse conjunto de conexões Corinthians , Neoway, Wave, Gritzbach, Buzeira, Victory, UJ Football, Haroldo, Corinthians , Bocatto e Água Santa não pode ser considerado típico e nem acidental.?

Os Verdadeiros Intermediários: Uma Rede Oculta

Um dos pilares da investigação desvendou que Alex Cassundé, sócio da Rede Social Media Design, não teve participação efetiva na intermediação do contrato de R$ 360 milhões entre Corinthians e VaideBet. Contrariando as versões iniciais, os R$ 25 milhões destinados à comissão deveriam ter sido repassados a Washington de Araújo Silva, Antônio Pereira dos Santos (Toninho Duettos) e Sandro dos Santos Ribeiro, estes sim, os verdadeiros articuladores do negócio.

A Polícia Civil obteve provas documentais, como fotografias e um vídeo, além de depoimentos de José André da Rocha Neto e André Murilo, que confirmaram a narrativa do trio. Washington, figura próxima à gestão de Augusto Melo, teria apresentado a Sandro uma oportunidade de patrocínio para o Corinthians em maio de 2023. Em 27 de dezembro, Sandro Ribeiro, Toninho Duettos e José André da Rocha Neto se encontraram em um hotel de São Paulo com Augusto Melo e Marcelo Mariano. Washington, em depoimento, afirmou ter sido impedido de ir por Sérgio Moura.

Neste encontro, Sandro gravou um vídeo com Augusto Melo, no qual Marcelo Mariano aparece ao fundo, desmentindo as versões que desacreditavam o trio. Um post no Instagram Stories de Sandro, logo após o fechamento do contrato, registrou um agradecimento a Washington, Toninho e Augusto Melo, com uma camisa personalizada. Além disso, Toninho e Sandro posaram para fotos com Augusto Melo no dia de sua posse, em 2 de janeiro, reforçando a contradição às versões que colocavam Alex Cassundé como intermediário.

As Contradições dos Dirigentes e o Papel de Cassundé

Os depoimentos de Augusto Melo, Sérgio Moura, Marcelo Mariano e Alex Cassundé foram marcados por notáveis contradições, conforme apontado no relatório final. A reunião decisiva de 27 de dezembro para selar o acordo com a casa de apostas já apresentava versões conflitantes:

• Cassundé declarou que o encontro foi agendado por Marcelo Mariano.
• Mariano, por sua vez, atribuiu a Sérgio Moura a informação sobre a reunião, e a Cassundé a marcação do evento.
• Sérgio Moura responsabilizou Cassundé pela reunião.
• Augusto Melo afirmou que Marcelo Mariano levou Cassundé ao Parque São Jorge e o comunicou sobre o encontro.

As divergências se estenderam ao início das conversas sobre o patrocínio. Alex Cassundé alegou ter sido procurado por Sérgio Moura para buscar um patrocinador para a equipe feminina. Sérgio Moura, contudo, não se recordava da abordagem. Marcelo Mariano mencionou que Sérgio Moura apresentou Alex Cassundé no Parque São Jorge nos dias finais de dezembro. Cassundé disse ter ido sozinho, enquanto Sérgio Moura o contradisse, afirmando estar presente no encontro com Mariano. Nenhum dos três mencionou Augusto Melo, que, em seu depoimento, disse ter sido Marcelo Mariano quem apresentou Cassundé. Por fim, Alex Cassundé assegurou que nunca conversou com Augusto Melo.

A Polícia Civil, por meio de dados telemáticos de Alex Cassundé (Estação Rádio Base - ERBs), comprovou que o empresário não esteve no Parque São Jorge entre 20 e 24 de dezembro de 2023, período em que supostamente teriam ocorrido os primeiros encontros para a discussão do patrocínio. Entre 9 e 31 de dezembro, não houve registro de sua presença na sede corintiana. Seu primeiro comparecimento foi em 2 de janeiro de 2024, data da posse de Augusto Melo, o que foi confirmado pelo próprio Cassundé. Contudo, no dia do anúncio oficial do patrocínio, 7 de janeiro, Cassundé não esteve no CT Joaquim Grava para a coletiva de imprensa, o que a investigação sugere ter sido uma tentativa de ocultá-lo da mídia. O sinal de seu celular só foi novamente detectado no Parque São Jorge em 1º de março de 2024, quando emitiu a segunda nota para receber a intermediação, e na tarde de 25 de março do mesmo ano, data da primeira transferência da empresa de Cassundé para a Neoway Soluções Integradas, no valor de R$ 580 mil.

Espionagem Interna: A Busca Pela Verdade Dentro do Clube

Paralelamente à investigação policial, o Corinthians foi palco de uma espécie de ?espionagem? interna, orquestrada pelo segundo vice-presidente de Augusto Melo, Armando Mendonça. Em abril de 2024, Mendonça recebeu um alerta de um jornalista sobre possíveis irregularidades no pagamento de R$ 1,4 milhão de comissão à Rede Social Media Design, levantado a partir de uma interpelação de Marcelo Mariano ao então diretor financeiro, Rozallah Santoro.

Essa denúncia motivou Armando Mendonça a contratar a empresa de investigação ?Vênus? para apurar o destino do dinheiro, que havia parado na Neoway. A apuração revelou a situação da empresa de fachada utilizada no início do fluxo dos recursos. Em depoimento, com as evidências em mãos, o vice-presidente afirmou ter confrontado Augusto Melo em 8 de maio sobre a suposta irregularidade, sugerindo a abertura de um Boletim de Ocorrência e o afastamento de Sérgio Moura e Marcelo Mariano. Segundo Mendonça, Augusto Melo não demonstrou interesse em investigar a denúncia internamente, o que teria levado o segundo vice a se sentir ainda mais marginalizado nas decisões do clube.

As Movimentações Financeiras de Augusto Melo: Padrões Suspeitos e Alegações Anônimas

A quebra de sigilo bancário de Augusto Melo, solicitada pela Polícia, revelou o que foi classificado como ?diversas operações financeiras atípicas?, com uma ?elevada quantidade de depósitos em espécie?. Inicialmente, o COAF (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) investigou uma conta de Melo em Santa Catarina, mas o órgão posteriormente reconheceu o erro. O dirigente, então, permitiu o acesso à sua conta em São Paulo.

Dados do COAF, abrangendo o período entre agosto de 2023 e agosto de 2024, registraram 87 depósitos em dinheiro, totalizando R$ 157.770. Notavelmente, entre agosto e novembro de 2023, antes de Augusto Melo ser eleito, não houve depósitos em espécie. A partir de dezembro, pouco após sua vitória na eleição, o cenário mudou ?radicalmente?. O relatório aponta: ?Estranhamente, a metamorfose no padrão financeiro coincidiu com a eleição de Augusto para a presidência do Corinthians , definida em 25 de novembro de 2023.?

Somente em 1º de dezembro de 2023, dias após sua eleição, foram registrados 16 depósitos, variando entre R$ 1.850 e R$ 2.000, somando R$ 31.850 em um único dia. Desde 2020, o Banco Central exige identificação para depósitos acima de R$ 2 mil. A investigação sugere uma ?tentativa deliberada de burlar os mecanismos de controle e rastreabilidade bancária.? Esse padrão se manteve entre dezembro de 2023 e abril de 2024, com 81 depósitos. A partir de maio de 2024, a prática cessou. A Polícia Civil questiona: ?A pergunta que resta é inevitável: por que razão esses depósitos em espécie, tão recorrentes e volumosos, deixaram de acontecer justamente quando as suspeitas começaram a ser noticiadas?? O inquérito conclui: ?Esse padrão de depósitos em dinheiro, além de não se encaixar no fluxo de receitas declaradas, sugere a possibilidade de que os recursos não foram gerados por atividades comerciais lícitas e rotineiras, mas, sim, por algum tipo de esquema ilícito, possivelmente envolvendo corrupção ou desvio de recursos.?

Em sua defesa, Augusto Melo afirmou: "Todas as minhas transações bancárias foram entregues à Polícia para investigação por minha vontade. Os valores que ali constam todos em minha declaração de Imposto de Renda, feita anualmente. Sou dono de comércio e de um estacionamento, muitas vezes o dinheiro que entra é em espécie e o meu pró-labore e de meus sócios são retirados em dinheiro vivo, para isso, eu preciso que seja depositado em minha conta. Minhas contas e vida são limpas e estou sempre à disposição para esclarecimentos, seja do torcedor, da imprensa ou das autoridades responsáveis por quaisquer investigações."

A Polícia Civil interpreta essa movimentação financeira como parte do pagamento de dívidas de campanha contraídas por Augusto Melo. Uma denúncia anônima recebida pelo DPPC, tratada com cautela pela falta de provas materiais e origem desconhecida, alegou que Augusto recebeu doações de empresários de jogadores de base, MCs, empresários do futebol e um doleiro não identificado. O denunciante também indicou um possível esquema com o Água Santa, classificado como ?time do PCC?, com a ponte feita por Marcos Bocatto, ex-superintendente do Corinthians . Essas doações seriam "dívidas", e o depoente anônimo afirmou que um agiota da Zona Leste de São Paulo "estaria no encalço de Augusto Melo, ameaçando matá-lo caso não pagasse o débito."

Sobre as especulações, Augusto Melo, por meio de sua defesa, declarou: "Com referência às informações contidas no relatório final das investigações, eu, Augusto Melo, não tenho nada a declarar, até porque o referido procedimento tramita sob segredo de justiça. No entanto, em relação às especulações divulgadas pela imprensa ? que insinuam que eu estaria devendo a agiotas, desviando recursos ou envolvido em qualquer prática semelhante ?, lamento profundamente que um inquérito policial esteja sendo tratado de forma tão leviana e desrespeitosa. Nunca tive a necessidade de fazer qualquer empréstimo com agiotas em 61 anos de vida, mesmo nos momentos que mais precisei de dinheiro, sempre trabalhei arduamente e consegui arcar com meus compromissos. Minha vida financeira está toda descrita em meu Imposto de Renda, que declaro anualmente de forma correta. É ainda mais preocupante perceber que grande parte das informações publicadas por veículos sensacionalistas parece ter como base matérias jornalísticas de procedência duvidosa, inclusive de blogs como o do senhor Paulinho? que, por sinal, é ex-detento e possui extensa ficha criminal, o que compromete seriamente sua credibilidade. Quanto ao inquérito, caso venha a se transformar em denúncia, será enfrentado com a serenidade e firmeza que o Estado Democrático de Direito assegura a todo cidadão. No mais, trata-se de um cenário lamentável, em que documentos sigilosos são indevidamente acessados, e trechos isolados acabam sendo utilizados de forma distorcida para alimentar pautas midiáticas com claros interesses políticos e partidários."

Os Indiciamentos: Figuras Chave Sob Acusação Formal

A conclusão da Polícia Civil resultou no indiciamento de cinco pessoas, que agora enfrentam sérias acusações. O delegado Tiago Fernando Correia, da 3ª Delegacia do Departamento de Polícia de Proteção à Cidadania (DPPC), formalizou as imputações criminais após extensa investigação.

Os indiciados são:

• Augusto Melo (presidente afastado): Furto qualificado, associação criminosa e lavagem de capitais.
• Sérgio Moura (ex-superintendente de marketing): Furto qualificado, associação criminosa e lavagem de capitais.
• Marcelo Mariano (ex-diretor administrativo): Furto qualificado, associação criminosa e lavagem de capitais.
• Alex Cassundé (sócio da Rede Social Media Design): Furto qualificado, associação criminosa e lavagem de capitais.
• Yun Ki Lee (ex-diretor de negócios jurídicos do clube): Relevância de omissão e responsabilidade por impedir o resultado do possível delito.

Com o inquérito concluído, o Ministério Público agora analisará a denúncia. Caso seja acatada por um juiz, Augusto Melo, Marcelo Mariano, Sérgio Moura, Yun Ki Lee e Alex Cassundé se tornarão réus em um processo penal, iniciando suas respectivas defesas perante a Justiça.

A Postura da VaideBet: Omissões e Acordos Atípicos

Embora nenhum agente da VaideBet tenha sido indiciado, a Polícia Civil não poupou críticas à postura da empresa durante o processo. O relatório final aponta que a VaideBet ?demonstrou algumas posturas criticáveis?, especialmente ao informar que foram contatados por um intermediário, mesmo após o escândalo da transferência de dinheiro da Rede Social para a Neoway vir à tona. A omissão foi considerada ?deliberada?, pois a empresa ?sabiam que ele não havia sido o intermediário?. A intenção, segundo a Polícia, ?parecia ser: preservar a boa relação tanto com o clube quanto com a sua direção, ocultando alguns detalhes da negociação?. Além disso, é possível que a empresa não quisesse se envolver na questão, uma vez que a responsabilidade pelo pagamento da comissão teria sido atribuída ao Corinthians .

Outra atitude condenável, conforme o inquérito, foi a negociação da VaideBet com a Gaviões da Fiel, envolvendo um patrocínio no qual indivíduos que representaram a torcida solicitaram verbalmente, e tudo indica em nome próprio, o pagamento de um camarote. A empresa de apostas aceitou, configurando um ?acordo extracontratual, sem qualquer transparência e fora dos padrões usuais?.

A Diretoria do Gaviões da Fiel Torcida, por sua vez, emitiu uma nota oficial para se posicionar sobre o assunto:

"A Diretoria do Gaviões da Fiel Torcida vem a público reiterar que desconhece qualquer contratação ou utilização de camarote na Neo Química Arena, seja pela entidade ou por qualquer de seus integrantes. Caso exista alguma informação concreta nesse sentido, solicitamos que o nome do associado eventualmente envolvido seja apresentado, para que o assunto seja levado ao Conselho Deliberativo, instância responsável por avaliar e tomar as providências cabíveis. Reforçamos ainda que nenhuma das pessoas mencionadas no inquérito ou nas reportagens faz parte da atual direção da torcida, e que os Gaviões não mantém mais relação com a empresa Vaidebet, cujo patrocínio já foi encerrado. Informamos também que o nome citado como responsável pela empresa intermediadora GCS Intermediação não integra o quadro de associados dos Gaviões da Fiel, e que a torcida não mantém qualquer relação formal com essa empresa ou com qualquer pessoa ligada a ela. Reafirmamos nosso compromisso com a transparência, responsabilidade e verdade ? princípios que seguem orientando a trajetória da maior torcida organizada do país. Diretoria Gaviões da Fiel Torcida"

O relatório final da Polícia Civil expõe uma realidade complexa e desafiadora para o Corinthians , que agora precisa lidar com as consequências de uma investigação que aponta para desvios, contradições e ligações potencialmente perigosas. A transparência e a responsabilidade na gestão se tornam mais do que nunca imperativos para a recuperação da credibilidade do clube perante sua imensa torcida e o cenário esportivo nacional.