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São Jorge no Corinthians: Fé, História e a Marca de Ogum no Escudo
Por Redação FuTimão em 23/04/2025 11:11
A relação entre fé, história e paixão clubística se manifesta de maneira singular no Sport Club Corinthians Paulista. A figura de São Jorge, o santo guerreiro, entrelaça-se com a identidade do clube, transcendendo a mera devoção religiosa e impregnando o imaginário da torcida. Mas, além da influência cristã, elementos de religiões de matriz africana, como a umbanda e o candomblé, também moldaram a simbologia corintiana, em especial, a presença de Ogum, o orixá da guerra.
A Celebração de São Jorge na Arena Corinthians
Para quem frequenta a Neo Química Arena, um ritual se tornou parte integrante da experiência. Antes de cada partida, a música "Filhos de Jorge" ecoa pelos alto-falantes, as luzes do estádio pulsam em sincronia, e a figura de Fernando Wanner, historiador do Corinthians , surge no gramado, empunhando a imagem de São Jorge. A torcida, em uníssono, responde com aplausos e emoção.
Wanner, autointitulado "Guardião de São Jorge", é o idealizador desse ritual, que desde 2017 busca fortalecer a ligação entre o clube e seu santo padroeiro. Segundo ele, o objetivo é "abençoar todos que estão na arena" e "criar uma aura, uma essência corintiana". O historiador enfatiza que São Jorge não está ali para influenciar o resultado do jogo, mas sim para "simbolizar uma tradição e para homenagear nosso padroeiro", como declarou em entrevista.
Em 23 de abril, celebra-se o Dia de São Jorge, data que, há quase um século, o Corinthians dedica ao santo católico. Relatos do início do século XX narram que foi o próprio São Jorge quem "chamou" o clube para ser seu protetor.
A História de São Jorge: Fé Inabalável e Resistência
A Igreja Católica narra que Jorge nasceu no século III, na Capadócia, região da atual Turquia. Tornou-se capitão do exército romano, mas desafiou o imperador Diocleciano ao se opor à ordem de extermínio dos cristãos. Preso e torturado por sua insubordinação, Jorge manteve sua fé inabalável, inspirando outros cristãos com sua resiliência.
A imagem de São Jorge como um cavaleiro que derrota um dragão simboliza as batalhas internas travadas durante a tortura e a vitória sobre a opressão. O Cardeal Orani João Tempesta, arcebispo do Rio de Janeiro, escreveu que "ao olhar para São Jorge, possamos ter o exemplo dele lutar contra o dragão do mal para sermos vencedores nesta batalha contra os questionamentos da nossa fé".
O "Chamado" de São Jorge e a Escolha do Parque São Jorge
A ligação entre o Corinthians e São Jorge remonta ao início da década de 1920. Na época, o clube precisava decidir entre renovar a concessão do terreno do estádio da Ponte Grande ou adquirir um local próprio para sua sede. António Pereira, um dos fundadores, propôs a compra de um terreno na zona rural da cidade, a Fazenda São Jorge.
A proposta foi inicialmente rejeitada, mas Pereira insistiu, recorrendo ao santo que dava nome à fazenda. "O António Pereira vislumbrou aqui como o lugar perfeito para o Corinthians ", explica Fernando Wanner. Após várias reuniões infrutíferas, Pereira teve a ideia de colocar uma estátua de São Jorge sob a mesa do Conselho, afirmando que o santo "convocava o Corinthians para se tornar o nosso padroeiro e o nosso guia através da história".
A devoção guerreira do clube, sua origem humilde e sua história de superação encontraram eco na figura de São Jorge. "Houve uma comoção muito forte, ninguém tinha feito esse link de que o São Jorge era o padroeiro do Corinthians ", relata o historiador.
Símbolos de Fé no Parque São Jorge
Com a aprovação dos conselheiros, o então presidente Ernesto Cassano concretizou a compra da Fazenda São Jorge em 18 de agosto de 1926. Para celebrar a aquisição, uma missa foi celebrada no Bom Retiro, e São Jorge foi oficialmente consagrado como padroeiro do clube. A sede social do Corinthians , o Parque São Jorge, abriga diversos símbolos da devoção ao santo. A Bica de São Jorge, localizada atrás do estádio Alfredo Schurig, atrai torcedores que acreditam que, ao beber de sua água, jamais abandonarão o clube.
O Parque também possui uma capela dedicada a São Jorge, inaugurada em 1967 e onde missas são celebradas aos domingos desde 1994. O ex-técnico Tite, conhecido por sua fé, era frequentador assíduo do local.
A Fé nas Arquibancadas e no Samba-Enredo
A história de resiliência de São Jorge transcendeu os muros do Parque São Jorge e conquistou a torcida. Em 1976, a Gaviões da Fiel homenageou o santo com o samba-enredo "Vai Corinthians ", que, com pequenas alterações, é cantado até hoje nas arquibancadas, expressando o sofrimento do torcedor e a fé inabalável na vitória:
"Vai Corinthians Vai não para de lutar Vai torcida fiel Saravá São Jorge que ele vai nos ajudar Corinthians tua glória o mosqueteiro Dou pernada sou cabreiro Se alguém fala mal de ti Nós temos lá no Parque o padroeiro O meu São Jorge guerreiro É quem vai olhar por ti"
Wanner resume a importância de São Jorge para o Corinthians : "Grande parte dos corintianos são devotos de São Jorge, e mesmo aqueles que não são, na hora do jogo eles creem em São Jorge porque é um símbolo. Mesmo quem é judeu, muçulmano ou evangélico respeita o que significa São Jorge para o Corinthians . É fundamental essa tradição, não só religiosa como simbólica. Temos que nos apegar nisso, no poder que a imagem tem".
Ogum: A Influência Africana no Escudo Corintiano
Embora fundado por católicos, o Corinthians logo se tornou um clube ecumênico, acolhendo imigrantes de diversas etnias e crenças. No Parque São Jorge, ao lado da estátua de São Jorge, encontra-se a imagem de Ogum, o orixá guerreiro das religiões de matriz africana.
Segundo Pai Salum, presidente da Federação de Umbanda e Candomblé do Estado de São Paulo, "Ogum é um guerreiro africano, muito lutador. É um negro alto, forte, destemido. Ele costuma sempre ser representado sem camisa com vestes vermelhas e com uma lança na mão. São Jorge é um santo católico, geralmente representado em cima de um cavalo branco, vestindo uma armadura, segurando uma lança e matando um dragão".
O sincretismo religioso associa Ogum a São Jorge pela força e pela guerra, características que se identificam com a imagem que os corintianos têm de si mesmos. Essa ligação inspirou o artista plástico Orfeu Domingues Alves Maia, responsável pela modernização do escudo do Corinthians na década de 1980, a utilizar o "Ponto riscado de Ogum" em sua criação.
O ponto riscado de Ogum, segundo Pai Salum, é a representação "pura" do orixá, utilizada para proteção, cura e descarrego de energias negativas.
Celebração e Homenagem
Em celebração ao seu santo padroeiro, o Corinthians promove eventos religiosos, como procissões e missas, abertos a todos os torcedores, independentemente de sua fé.
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