Renato Augusto: Ansiedade, Amor pelo Corinthians e Bastidores da Carreira - Entrevista Exclusiva

A cortina se fecha sobre uma trajetória de duas décadas, repleta de troféus, admiração dos torcedores e um custo físico considerável. Renato Augusto, agora um ex-atleta, reflete sobre o término de sua jornada nos gramados com a serenidade de quem cumpriu sua missão. Desde os primeiros passos no Flamengo, passando pela consolidação no Corinthians, até os momentos de glória e desilusão com a Seleção Brasileira, cada etapa foi vivida intensamente.

A medalha de ouro olímpica conquistada em casa, no Maracanã, e o gol que quase se concretizou contra a Bélgica na Copa de 2018 são apenas alguns dos capítulos de uma história rica em detalhes. A certeza de que "valeu a pena" acompanha o ex-camisa 8, que agora se prepara para um novo ciclo, longe dos holofotes diários do esporte, mas com o coração ainda pulsando pelo futebol.

O Adeus Aos Gramados e a Complexidade da Decisão

A decisão de pendurar as chuteiras, comunicada ao ge, foi um processo árduo. A paixão pelo campo e a incerteza do futuro colidiam com o desejo de estar mais presente na vida familiar. Renato Augusto revela que o plano de aposentadoria evoluiu com o tempo: inicialmente aos 30, depois 32, e finalmente aos 34 anos. Contudo, a carreira se estendeu até os 37, impulsionada pelo amor ao clube e ao vestiário.

Apesar do forte vínculo com o Corinthians , onde desejava encerrar a carreira, o destino o levou ao Fluminense. Lá, sob a tutela de Fernando Diniz, encontrou um ambiente de aprendizado e conquistou seu último título como atleta profissional. "Infelizmente, não tive a oportunidade de encerrar no Corinthians , mas tive a oportunidade de ter conquistado um título importante," afirma, reconhecendo o valor da experiência.

A transição para a vida pós-futebol é marcada pela redescoberta do papel de pai e marido. "Voltar a ser pai e marido eu acho que é o que está me deixando mais tranquilo," confessa o ex-jogador, que agora se dedica a uma rotina de "motorista da família," uma mudança significativa para quem viveu sob o escrutínio de milhões de torcedores.

A Alma Alvinegra: Renato Augusto e o Vínculo com o Corinthians

A relação de Renato Augusto com o Corinthians é, sem dúvida, o ponto central de sua narrativa. Em duas passagens, ele acumulou três títulos, 238 jogos e 28 gols. Esta conexão profunda será celebrada em uma homenagem na Neo Química Arena, antes do confronto contra o Flamengo. Uma oportunidade para levar seu filho Romeu, de 7 anos, ao "lugar mágico" e, quem sabe, despertar nele a paixão corintiana.

A Neo Química Arena, para Renato, possui uma atmosfera inexplicável. "Aquele estádio tem alguma parada, eu entro lá e me arrepio," descreve. Ele relembra jogos onde o apoio incondicional da torcida foi decisivo, transformando atuações medianas em vitórias no último minuto. "Eu tive alguns jogos ali que não foi gol nosso, foi da torcida mesmo," ele pontua, destacando a simbiose entre equipe e torcedores.

Entre os momentos mais marcantes, o ex-meia cita a vitória sobre o São Paulo na Arena, onde marcou dois gols em uma semifinal de Copa do Brasil. "Fazer os dois gols, da forma que foi... E na hora até extravaso, falo eu te amo. Só que foi uma coisa totalmente natural, de sentimento mesmo. Esse vídeo até hoje eu olho e me emociono, foi um momento marcante," ele narra, evidenciando a intensidade de sua ligação com o clube. Mesmo em derrotas dolorosas, como a final da Copa do Brasil de 2022 contra o Flamengo ou a goleada sofrida para o Bahia, a torcida corintiana manteve seu apoio, cantando o hino do clube, um fato que, para Renato, gerou um sentimento de "vergonha" e um profundo respeito.

Entre o Primeiro Amor e as Mágoas: A Relação com o Flamengo

O domingo da homenagem será carregado de simbolismo, colocando Renato Augusto entre sua "maior paixão" e seu "primeiro amor." A história com o Flamengo começou de forma turbulenta, com a ascensão meteórica do garoto das arquibancadas para o campo na final da Copa do Brasil de 2006 e o gol decisivo no Carioca de 2007. No entanto, o capítulo rubro-negro também é marcado por mágoas.

Três tentativas frustradas de retorno ao clube após 2008 deixaram cicatrizes. "Por muito tempo eu fiquei magoado. Eu tentei voltar por diversas vezes, e o clube depois vendia externamente que eu não quis. Isso me magoava um pouco," ele revela. Renato narra situações onde, apesar de sua palavra e desejo de retornar, o Flamengo optou por outras contratações, chegando a contratar um jogador de sua posição pelo mesmo valor logo após ele ter expressado sua preferência.

Apesar das desavenças, o carinho pelo Flamengo persiste. Contudo, é inegável que a conexão emocional mais forte hoje se manifesta pelo Corinthians . "Eu tenho carinho e gratidão pelo Flamengo, mas a minha história, onde meu olho brilha, que eu fico arrepiado, emocionado, hoje é o Corinthians ," ele conclui, delineando claramente sua preferência.

Desafios Mentais e a Realidade do Futebol Moderno

Em uma confissão surpreendente, Renato Augusto revela ter enfrentado crises de ansiedade durante jogos, especialmente em sua segunda passagem pelo Corinthians . "No meu fim (de carreira) eu comecei a ter mais crises de ansiedade, tive durante o jogo. Tive que ser substituído, a gente não falava, aí achavam que eu estava machucado," ele compartilha, expondo uma realidade muitas vezes oculta no futebol.

O impacto das redes sociais no bem-estar mental dos atletas é um ponto crucial de sua análise. A constante exposição e o julgamento instantâneo e muitas vezes contraditório dos torcedores intensificam a pressão. "Não acredita no que falam de positivo e nem no negativo, porque você não é tão bom como falam e não é tão ruim como falam," ele aconselha os jogadores mais jovens, que já nasceram na era digital.

A hostilidade do ambiente do futebol brasileiro é, para Renato, "disparado" mais intensa do que em outros países. Ele contrasta a reação da torcida na Alemanha, que aplaudia mesmo após derrotas, com a agressividade crescente no Brasil, onde "cada vez tem mais casos até de contato físico, algumas coisas que são perigosas." A experiência na China, com menor exposição a redes sociais e pressão, também é lembrada como um contraponto à realidade brasileira.

A Jornada Internacional: Leverkusen, China e a Seleção Brasileira

A experiência no Bayer Leverkusen, na Alemanha, foi um divisor de águas. Renato Augusto descreve o clube como um local de aprendizado tático intenso e crescimento pessoal. "O Leverkusen foi onde eu mais aprendi, taticamente, para evoluir como homem, como jogador, para chegar no Corinthians e realmente me consolidar," afirma, ressaltando o legado de amizades e portas abertas que deixou no país.

A passagem pela China, no Beijing Guoan, surpreendeu muitos, mas foi um período de grande evolução técnica e física. Renato Augusto conseguiu manter seu nível e sua vaga na Seleção Brasileira, quebrando o paradigma de que jogar na Ásia significava um declínio na carreira. "Tecnicamente, foram anos muito bons. Por ser estrangeiro, você tem que fazer mais função, então eu joguei desde zagueiro até centroavante," ele explica, demonstrando a versatilidade que desenvolveu.

Na Seleção, a ferida da derrota para a Bélgica na Copa de 2018 ainda está presente. O gol que "tirou a tinta e saiu" é uma lembrança constante. "Até hoje esse lance não sai da minha cabeça," ele confessa, descrevendo a dor de perder como atleta e como torcedor. Por outro lado, o ouro olímpico de 2016, conquistado no Maracanã, é um dos momentos mais mágicos e marcantes de sua carreira, um sonho que se concretizou em seu país após o trauma do 7x1, com o apoio fervoroso da torcida.

O Legado dos Mentores e Companheiros de Campo

Ao longo de sua carreira, Renato Augusto foi influenciado por diversos treinadores e construiu laços importantes com companheiros de equipe. Tite é apontado como o melhor treinador, destacando-se pelo lado humano e pela capacidade de criar um time equilibrado. "O lado humano dele me ajudou bastante na época, inclusive na Copa do Mundo," ele comenta, valorizando a empatia do técnico.

A relação com Vítor Pereira, no Corinthians , foi mais desafiadora devido a filosofias de jogo e gestão de elenco distintas. "Não era como eu acreditava o futebol, mas são escolhas que ele faz e você tem que acatar," ele pondera, demonstrando respeito profissional apesar das divergências. A experiência com Fernando Diniz, no Fluminense, também foi um período de aprendizado, com "muitas ideias novas" que o fizeram pensar no extracampo.

Entre os colegas, Neymar é "disparado" o melhor jogador com quem atuou, pela sua genialidade surreal. No entanto, a parceria mais marcante em campo foi com Jadson, pela sintonia e leitura de jogo. Fora das quatro linhas, Fábio Santos é considerado seu "irmão máximo," um amigo de longa data com quem compartilhava momentos dentro e fora de campo. O desejo de permanecer no futebol, seja como treinador ou gestor, é evidente, e Renato planeja estudar e vivenciar o dia a dia de clubes para definir seu próximo passo, buscando uma "luz" para sua nova fase.

Ao final de sua retrospectiva, Renato Augusto não hesita ao responder o que diria a si mesmo no início da carreira: "Faça tudo de novo, vai valer a pena." A jornada, marcada por momentos difíceis que o moldaram como homem e atleta, é vista como "mágica." A paixão pelo futebol e o desejo de uma despedida digna no Corinthians , o clube que mais marcou sua carreira, ainda permeiam seus pensamentos, aguardando o momento certo para se concretizar.