Corinthians: Seis Meses de Transformações Desde o Título Paulista

O apito final que selou a conquista do Campeonato Paulista, com Hugo Souza defendendo um pênalti crucial, ecoa há exatos seis meses. Naquela tarde de 27 de março, o Corinthians celebrava o fim de um jejum de seis anos sem troféus, coroando uma campanha dominante com 11 vitórias, quatro empates e apenas uma derrota, culminando no triunfo sobre o maior rival. O empate em 0 a 0 na Neo Química Arena, após uma vitória por 1 a 0 no Allianz Parque, representou o ápice esportivo do clube na temporada.

Contudo, a euforia daquele momento se transformaria rapidamente em um período de intensa reestruturação. Nos seis meses que se seguiram, a instituição alvinegra atravessou um turbilhão sem precedentes, marcado por profundas alterações em sua estrutura administrativa e esportiva. A estabilidade almejada após a vitória no Estadual deu lugar a uma série de eventos que redefiniram o cenário do Parque São Jorge.

O Vórtice Político e a Dança das Cadeiras no Comando

Menos de um mês após o êxito no Paulistão, o Corinthians surpreendeu ao desligar o técnico Ramón Díaz, o mesmo que havia resgatado a equipe no Campeonato Brasileiro de 2024 e a conduzido ao título estadual. A decisão, atribuída ao desempenho insatisfatório no início do Brasileirão e, notavelmente, às críticas públicas do atacante Memphis Depay, sinalizava uma guinada abrupta na direção técnica.

Na zona mista, após uma derrota por 2 a 0 para o Fluminense em casa, o jogador holandês havia manifestado seu descontentamento com as escolhas táticas de Ramón, um fator que pesou na avaliação da diretoria. O clube, então, buscou em Tite um substituto, chegando a um acerto verbal. Entretanto, o renomado treinador declinou da proposta na véspera do anúncio, alegando a necessidade de cuidar da saúde mental após um episódio de crise de ansiedade.

A busca por um novo líder culminou na contratação de Dorival Júnior, que assumiu o posto em 28 de abril, ironicamente, um dia após sua demissão da seleção brasileira. Em sua apresentação, Dorival se viu compelido a abordar a efervescência política que tomava conta do clube, reafirmando que seu foco estaria na esfera "esportiva, técnica, dentro de campo".

Turbulências na Gestão e Seus Efeitos no Campo

Paralelamente à mudança no comando técnico, o Corinthians vivenciava uma profunda agitação política. O processo de impeachment contra o então presidente Augusto Melo avançava, culminando em seu afastamento temporário pelo Conselho Deliberativo em 26 de maio e a perda definitiva do cargo em votação entre os associados em 9 de agosto.

Esse cenário de acusações, ritos processuais e negociações para a eleição de Osmar Stabile ao mandato-tampão não deixou de afetar o ambiente esportivo. O meia Rodrigo Garro admitiu abertamente a interferência dessa instabilidade. Nos bastidores, o executivo Fabinho Soldado empreendeu esforços para isolar o elenco no CT Dr. Joaquim Grava, enquanto Dorival Júnior chegou a apontar a influência política como um fator em negociações frustradas para reforços.

Augusto Melo em entrevista coletiva ? Foto: Globo

A instabilidade gerencial, somada a uma delicada condição financeira, restringiu severamente a capacidade de investimento do clube. A diretoria não conseguiu concretizar as quatro contratações solicitadas por Dorival na última janela de transferências, resultando em apenas um novo jogador, o atacante Vitinho, que precisou ser registrado às pressas para evitar um impedimento.

Restrições Financeiras e o Desafio de Montar o Elenco

O problema financeiro se manifestou de forma mais contundente através do transfer ban, que impediu o Corinthians de inscrever novos atletas. Além de uma dívida de R$ 40 milhões com o Santos Laguna, do México, referente à aquisição de Félix Torres, o clube enfrentou uma derrota na Corte Arbitral do Esporte (CAS) no caso envolvendo Matías Rojas. Caso não efetue o pagamento de R$ 41,3 milhões ou negocie um parcelamento com o meia, o Corinthians estará sujeito a um segundo bloqueio de transferências.

Nesse período de seis meses, o elenco alvinegro também passou por significativas saídas. A seguir, uma lista dos atletas que deixaram o Timão desde a conquista do Paulistão:

A Ascensão da Base e o Acerto de Contas com um Craque

Com um único reforço e uma série de desfalques, especialmente por lesões, o técnico corintiano viu-se obrigado a intensificar a utilização de jogadores formados nas categorias de base. O atacante Gui Negão emergiu como o principal destaque desse movimento, acumulando quatro gols e uma assistência em 11 partidas. Outros jovens talentos como Dieguinho, Luiz Gustavo Bahia, André, Kayke e João Vitor "Jacaré" também ganharam espaço em treinamentos e jogos da equipe principal.

A conquista do Campeonato Paulista, apesar de toda a instabilidade subsequente, gerou um prêmio de R$ 4.725.603,00 para Memphis Depay, conforme estipulado em seu contrato. Esse valor representava quase a totalidade da premiação que o clube receberia da Federação Paulista de Futebol (FPF), de R$ 5 milhões. A ausência de liquidez imediata levou o Corinthians a atrasar o pagamento, resultando em uma notificação do estafe do jogador.

Memphis Depay, do Corinthians, com o troféu do Campeonato Paulista, na Neo Química Arena ? Foto: Marcos Ribolli

Para sanar a pendência, o Corinthians precisou parcelar a dívida com Memphis, assim como as premiações devidas a todos os atletas, em três vezes. A última parcela foi quitada recentemente, encerrando mais um capítulo financeiro delicado.

Reconfiguração Tática e o Horizonte Alvinegro

A escalação que iniciou a segunda partida da final do Paulistão ? Hugo Souza ; Matheuzinho, Félix Torres, Gustavo Henrique e Fabrízio Angileri; Raniele, José Martínez, André Carrillo e Rodrigo Garro ; Memphis Depay e Yuri Alberto? passou por modificações significativas. Félix Torres, por exemplo, perdeu espaço, atuando menos tanto como zagueiro quanto nas adaptações para a lateral direita. Matheus Bidu, por sua vez, assumiu a titularidade na lateral direita, substituindo Angileri.

O "trio GYM", composto por Rodrigo Garro , Yuri Alberto e Memphis Depay, que iniciou junto na final do Paulistão, teve sua presença simultânea em campo como titulares restrita a apenas outras duas ocasiões: as duas partidas contra o Palmeiras pelas oitavas de final da Copa do Brasil. Lesões em diferentes momentos do ano impediram que os três pudessem atuar juntos com maior frequência, limitando o potencial ofensivo da equipe.

Atualmente em uma posição intermediária na tabela do Campeonato Brasileiro, o Corinthians direciona suas atenções para a Copa do Brasil, vislumbrando a possibilidade de um novo título ainda neste ano. A equipe está nas semifinais, onde enfrentará o Cruzeiro, com os jogos decisivos programados para dezembro. A competição representa a principal aspiração do clube para coroar um ano de intensas transformações com mais uma taça.