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Corinthians de Cabo Verde: A Fascinante História do Timão que Joga de Verde e Sonha com a Copa de 2026
Por Redação FuTimão em 23/10/2025 11:15
No cenário global do futebol, nem sempre as histórias mais cativantes vêm dos grandes centros. Por vezes, é em arquipélagos remotos, banhados pelo Atlântico, que surgem narrativas de paixão e resiliência capazes de desafiar as convenções. É o caso de Cabo Verde, uma nação que, surpreendentemente, garantiu sua vaga na Copa do Mundo de 2026 e, em seu solo, abriga um time com um nome familiar: Corinthians.
A façanha da seleção cabo-verdiana, que desbancou potências como Camarões no Grupo D das Eliminatórias Africanas para assegurar uma vaga direta no Mundial, já seria por si só um feito notável. Contudo, a singularidade da jornada se aprofunda ao considerarmos a realidade do futebol no país. Longe de possuir uma liga profissional estruturada, Cabo Verde se destaca pela dispersão de seus talentos, com a maioria dos atletas atuando em clubes de menor expressão em ligas europeias como Portugal, Turquia, França, Bulgária, Hungria e Azerbaijão.
Entre os nomes que podem integrar o elenco no próximo Mundial, destaca-se Alessio da Cruz, atacante que atualmente defende o Athletic, de Minas Gerais, na Série B do Campeonato Brasileiro. Sua presença em partidas das Eliminatórias Africanas simboliza a ponte entre o futebol cabo-verdiano e o cenário sul-americano, adicionando uma camada extra de interesse a essa promissora estreia em Copas do Mundo.
O Inusitado Corinthians de São Vicente: Verde, Amador e Comunitário
É nesse contexto vibrante de um país ascendente no futebol que encontramos o Corinthians São Vicente. Fundado em 1987, este clube amador, sediado na Ilha de São Vicente, em Cabo Verde, compartilha mais do que apenas um nome com o gigante paulista. No entanto, sua trajetória é marcada por particularidades que seriam impensáveis no Brasil, como a utilização de uniformes de diversas tonalidades, incluindo o verde ? cor que, no imaginário corintiano brasileiro, remete diretamente ao seu maior rival.
A explicação para tal excentricidade reside na natureza do projeto. O Corinthians São Vicente opera sob uma filosofia puramente voluntária, com foco na formação de jovens atletas através de categorias de base. Sem financiamento fixo, os uniformes são fruto de doações, tanto dos próprios membros quanto de amigos do projeto. Assim, a escolha da vestimenta se dava pela disponibilidade, e não pela tradição ou pela aversão a cores rivais.
José Martins, diretor hoteleiro e um dos fundadores do clube cabo-verdiano, recorda com certo divertimento o período em que o verde era uma cor comum no vestuário do time. "Não tínhamos noção da rivalidade. Para ser sincero, nem sabíamos o que era o Palmeiras. Fomos financiados por um senhor emigrante que nos presenteou com esse uniforme. Se fosse hoje com o conhecimento que temos do Brasil, não teríamos usado o verde. Hoje, olhamos para a fotografia e brincamos", revelou Martins em entrevista.
A Inspiração Paulistana: Origens e Identidade
A gênese do nome e do escudo do Corinthians São Vicente é uma história de acaso e admiração. Conforme relatado por José Martins, a inspiração para batizar o time e adotar um emblema similar ao do Corinthians Paulista surgiu de uma reportagem na revista Placar, no final da década de 1980. Naquele período, um grupo de jovens do bairro Alto São Nicolau, em São Vicente, dedicava-se ao futebol de rua. Com a consolidação do grupo e o desejo de formalizar um time, a busca por uma identidade se iniciou.
Foi então que o filho de um entusiasta do futebol brasileiro apareceu com a edição da revista, que se tornaria a chave para a nova identidade do clube. "Naquela época, mesmo sem internet, a sociedade de Cabo Verde já amava duas coisas sobre o Brasil: as novelas e o futebol. Um dia, um amigo nosso, filho do senhor Bica, que era um grande apaixonado pelo futebol brasileiro, chegou com uma edição da revista Placar. Estávamos folheando, vimos o símbolo e o uniforme preto e branco. Não me lembro do teor da reportagem, mas certamente nos inspirou. Daí em diante, viramos o Corinthians São Vicente", rememorou Martins.
A conexão de José Martins com o Corinthians Paulista transcende a fundação do clube em Cabo Verde. Residente na Suécia atualmente, ele teve a oportunidade de estudar em São Paulo nos anos 90, período em que visitou o Pacaembu e até participou do carnaval paulistano, desfilando pela Gaviões da Fiel, a principal torcida organizada do clube alvinegro. Essa vivência pessoal reforça o elo cultural e esportivo que inspirou a criação do Corinthians do arquipélago africano.
Os Desafios e a Resiliência de um Projeto Social
O Corinthians de São Vicente atua primordialmente como um centro de iniciação e formação esportiva. Sua missão principal é proporcionar treinamentos e desenvolver jovens atletas, competindo em torneios locais. Contudo, a realidade financeira e as condições estruturais impõem severos desafios. Atualmente, o clube encontra-se inoperante, uma consequência do calendário de férias escolares e da crônica falta de recursos financeiros para manter as atividades.
Apesar de seu caráter amador, o Corinthians de São Vicente também mantém uma equipe adulta que disputa a Segunda Divisão regional. Em seu histórico, o time já conquistou a liga amadora e alcançou a promoção para a Primeira Divisão, embora não tenha conseguido se consolidar na elite por um período prolongado. Essa trajetória competitiva, ainda que modesta, reflete o esforço e a paixão dos envolvidos.
Para Marcos Fonseca, o atual vice-presidente do Corinthians de Cabo Verde, a verdadeira vitória reside na capacidade de persistir. "Ser Corinthians é uma filosofia de vida, é lutar contra as dificuldades, lutar contra os obstáculos. Já estamos aqui há 38 anos. Sonhamos em fazer o clube atingir outro patamar, mas precisaríamos de parceiros, sobretudo de parceiros externos", explicou o dirigente, que, assim como os demais membros, dedica-se ao clube de forma voluntária, sublinhando o espírito comunitário que o sustenta.
A Pontes Inacabadas e o Orgulho da Camisa
Em um passado não tão distante, o Corinthians de Cabo Verde nutriu a esperança de estreitar laços com seu homônimo paulista. O objetivo era claro: angariar doações de material esportivo, essencial para o desenvolvimento das atividades com a garotada. Marcos Fonseca relatou uma aproximação com o ex-presidente do Corinthians Paulista, Andres Sanchez. Contudo, a iniciativa não prosperou; o próprio clube africano, por questões de organização, perdeu o contato com o dirigente, e a prometida doação nunca se concretizou.
A dificuldade de obtenção de material esportivo é um entrave constante. "O futebol em Cabo Verde é muito caro porque todo o material esportivo é importado. Nós não produzimos bolas, não produzimos uniformes, não produzimos quase nada. Por isso, temos que importar tudo, seja uma bola ou uma chuteira", detalhou Marcos Fonseca, que também possui uma ligação pessoal com o Brasil, tendo estudado jornalismo na PUC-SP nos anos 90.
Durante sua passagem por São Paulo, Marcos Fonseca não apenas frequentou as arquibancadas do Pacaembu, testemunhando a paixão corintiana, mas também realizou uma aquisição que se tornaria um marco para o clube cabo-verdiano. Em uma visita à loja oficial do Corinthians , no Parque São Jorge, ele aproveitou uma queima de estoque para adquirir uniformes que seriam enviados para a Ilha de São Vicente. "Comprei os uniformes e mandei para a Ilha de São Vicente. Você não faz ideia da força que isso deu aos garotos. Os nossos jogadores tinham o maior orgulho de vestir a camisa porque o uniforme veio lá do Corinthians . Na época, o uniforme tinha a estampa da Batavo. O Corinthians mudou de patrocinador e teve essa queima de estoque", rememorou Fonseca, evidenciando o impacto de um gesto que, para os jovens atletas africanos, representou muito mais do que simples vestimentas: foi um pedaço do sonho alvinegro.
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