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Adil: Ex-Corinthians, Superação Extrema Após Acidente e Lições de Vida aos 60
Por Redação FuTimão em 05/08/2025 06:12
A existência de Adil, um nome reverenciado no futebol brasileiro, sofreu uma guinada radical em um instante. Conhecido por sua precisão nos chutes e um estilo de jogo clássico, característico dos meias armadores das décadas de 1980 e 1990, este ex-jogador defendeu grandes clubes como Cruzeiro, Bahia, Grêmio, Portuguesa e, notavelmente, o Corinthians, onde sua chegada foi marcada pelo icônico som da sirene do Parque São Jorge. Contudo, sua promissora carreira foi abruptamente interrompida por um severo acidente automobilístico em setembro de 2000.
?A vida da gente muda em um piscar de olhos. Eu dormi bem, acordei em um hospital e saí de lá em uma cadeira de rodas. É muita informação para você digerir? ? Adil, ex-meia que atuou nos anos 1980 e 1990
A data de 26 de setembro de 2000 selou um divisor de águas na vida do atleta, então com 35 anos, que planejava a aposentadoria dos gramados. Adil viajava com seu ex-sogro em direção a Belo Horizonte quando, próximo a Rio Pomba, na Zona da Mata mineira, o veículo perdeu o controle em uma curva, colidindo violentamente contra o tronco de uma árvore. O impacto concentrou-se na porta do carona, onde o então meia da Inter de Limeira estava, resultando em sérias lesões nas vértebras C5 e C6. A gravidade da situação o manteve por um mês na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) e por mais três meses hospitalizado.
Inicialmente, alguns profissionais da medicina o consideraram desenganado, chegando a diagnosticá-lo como tetraplégico devido às extensas lesões na coluna. Entretanto, Adil utilizou a mesma tenacidade e habilidade que demonstrava em campo para reagir fora dele, literalmente levantando-se e prosseguindo. Quase 25 anos após o incidente, o mineiro de São João Nepomuceno alcança os 60 anos com um espírito vibrante, alegria contagiante e profunda gratidão, apesar das limitações motoras persistentes.
A Inabalável Jornada de Superação de Adil
Ao deixar o hospital em dezembro de 2000, em uma cadeira de rodas, para passar as festas de fim de ano em casa, Adil teve a dimensão de sua nova realidade. Enquanto a família buscava centros de tratamento especializados para tetraplégicos, a ficha finalmente caiu. ?Cara, eu estou tetraplégico, sem qualquer movimento do pescoço para baixo?. Aquela constatação o levou a um pranto profundo, conforme ele próprio relatou.
"Foi aí que eu pensei: 'Meu Deus, se o campeonato que eu tenho que disputar é este agora, que o Senhor me dê forças, pois vou fazer minha parte'. A minha pré-temporada a partir daquele momento seria ininterrupta. Levei o espírito de competição que eu tinha no campo para aquela nova fase" ? Adil, sobre entender como seria a nova fase da vida dele após o acidente
A resiliência de Adil, aliada aos avanços progressivos da medicina, foi fundamental para sua recuperação. O ex-jogador submeteu-se a tratamentos em São Paulo e Juiz de Fora, cidade a 65km de sua terra natal. Posteriormente, durante sua passagem por Sobradinho, no Distrito Federal, onde atuou como dirigente, Adil realizou sessões de ecoterapia, um método de tratamento que envolve a exposição à natureza.
A melhora de Adil foi notável. Da cadeira de rodas, ele progrediu para o andador e, posteriormente, para as muletas. Recuperou o movimento dos membros superiores, conseguindo escrever, alimentar-se, carregar objetos e até dirigir. Ele enfatiza que a assistência de familiares, amigos, conhecidos e profissionais de saúde foi crucial para superar as adversidades. Contudo, Adil tem convicção de que, sem sua própria fé na recuperação, o progresso não teria sido possível.
?Me disseram depois do acidente, durante a recuperação, para que eu não tivesse vergonha de ser quem eu era. Tenho minhas dificuldades, limitações, mas sem vergonha de ser o que eu sou?.
Adil e o Corinthians: Memórias de um Camisa 10 Icônico
Adil não tem razões para sentir vergonha, mas sim orgulho. Sua trajetória no futebol nacional nas décadas de 1980 e 1990 evoca uma forte memória afetiva, tanto pela qualidade técnica quanto pela irreverência dos atletas daquele período. Após os primeiros passos no America-RJ, aos 14 anos, e uma recuperação de grave lesão no tornozelo, Adil migrou para as categorias de base do Cruzeiro.
Como profissional, atuou na Raposa, mas sem a regularidade desejada. Assim, foi emprestado a clubes como Figueirense, Tupi (onde marcou um gol contra o Atlético-MG no Mineiro de 1989) e Ferroviária, destacando-se nos campeonatos estaduais. Foi em solo paulista que Adil capturou a atenção da Portuguesa e de um promissor ex-goleiro que iniciava a carreira de treinador nos anos 1990: Emerson Leão. O técnico, impressionado com o meia, o levou para a Lusa, transformando-o em um dos destaques do time.
?Foi um dos grandes treinadores com quem trabalhei, porque ele ensinava a gente a ser profissional. Às vezes a gente cometia alguns equívocos, e o Emerson Leão sempre gostou das coisas direitas, certas. E a gente vai aprendendo?.
As excelentes temporadas na Portuguesa, entre 1990 e 1992 (com um breve interregno no Bahia), concretizaram o anseio de Adil de defender um clube de massa. O Corinthians oficializou a contratação do jogador, então com 27 anos. Sua chegada ao Parque São Jorge foi especial, agraciada pelo acionamento da tradicional sirene, reservada a reforços de grande impacto. ?A sirene não tocava por qualquer um?, recordou. Sua passagem pelo Timão foi um marco: ?O Corinthians mudou muito a minha vida e a maneira de ser. Eu passei a ter fama em São Paulo e ali eu percebi que eu teria um time que me daria a oportunidade de lutar por títulos. O divisor de águas da minha carreira foi ter a felicidade de vestir a camisa do Corinthians ?.
O responsável por sua contratação foi o lendário e folclórico presidente Vicente Matheus. Adil guarda carinho pelo mandatário, com quem tinha boa relação, embora se lembre das complexidades em negociar questões financeiras. ?Eu não tinha empresário. Quando fui conversar com o Vicente Mateus, foi engraçado. Ele colocava o Corinthians sempre em primeiro lugar, acima das pessoas. Ele chegava e falava: 'Não, meu filho... o Corinthians só pode pagar isso, não paga bem', com aquele sotaque dele (risos). Este tipo de dirigente deixa certa saudade porque ele faz tudo pelo clube. Era uma pessoa fantástica.?
Em 1993, logo em sua chegada, Adil vivenciou a experiência de disputar títulos por um grande clube. O Timão, que evoluiu sob o comando de Nelsinho Baptista, alcançou a final do Paulistão contra o Palmeiras, que iniciava sua era Parmalat com um elenco estrelado. Considerado azarão e apelidado pela imprensa paulista de "Carrossel Caipira", o Corinthians venceu a primeira partida da decisão por 1 a 0. Além do resultado histórico, que seria revertido pelo Palmeiras no jogo de volta, a vitória alvinegra foi imortalizada pela celebração de Viola, que imitou um porco após marcar o gol no Morumbi lotado. Adil, o primeiro a abraçar Viola na comemoração, reitera que o gesto não foi combinado. ?A gente vivia uma boa fase e, quando estávamos na concentração, um perguntava para o outro: 'Se você fizer gol, qual comemoração você vai fazer?'. A gente combinava algumas coisas, mas o Viola nunca falava o que ele ia fazer. Aí ele vai, faz o gol e imita o porco. Ninguém esperava aquilo, foi uma surpresa total. E o primeiro a chegar até ele fui eu.?
?Rapaz, aquilo deu uma repercussão gigante, uma falação danada. O Luxemburgo fez uma coletiva com os jogadores do Palmeiras falando algumas coisas,. O time deles realmente era melhor, tanto que foi campeão. Mas a gente conseguiu uma vitória que poucos achavam possível?.
Do Gramado à Liderança: O Legado de Adil Fora das Quatro Linhas
Após uma breve passagem pelo Grêmio, Adil retornou ao Corinthians em 1994, encerrando seu ciclo no clube paulista. Aos 30 anos, ele iniciou uma jornada por diversos clubes do cenário nacional, como Bragantino, Araçatuba, Coritiba, Guarani, Botafogo-SP, Criciúma, São José-SP e Santo André. Contudo, foi no tradicional Juventus, da Mooca, que o meia novamente ganhou destaque, não apenas em jornais, mas em um dos programas de maior audiência da televisão brasileira.
Em um lance memorável, após o goleiro Hiram do Santo André avançar ao ataque e marcar de cabeça o gol de empate contra o Juventus pela Série A2 do Paulista, Adil observou a exultante celebração do arqueiro com seus companheiros e agiu sem hesitação. Na saída de bola, ele chutou do meio de campo, marcando o segundo gol do Moleque Travesso. A jogada, ocorrida no domingo, encerrou a edição de segunda-feira do Jornal Nacional, com a narração de William Bonner, sendo batizada de ?gol desmancha-prazeres?. A repercussão foi imensa, gerando até uma brincadeira entre Adil, Neto (seu ex-companheiro de Corinthians ) e um amigo em comum. ?O Paulinho, nosso amigo em comum, perguntava para o Neto assim: 'Você já encerrou uma edição de Jornal Nacional com o William Bonner? Com o gol desmancha-prazeres? O Adil fez isso e você não' (risos).?
Após um longo período de recuperação, Adil não conseguiu se afastar do futebol. Embora sem condições de atuar ou integrar a comissão técnica em campo, ele se dedicou à função de dirigente. Com passagens por Tupi, Araçatuba e Sobradinho, ele se reaproximou do esporte que amava, expressando gratidão pelas oportunidades de realizar um trabalho voluntário na direção de futebol dessas equipes. ?Fui para todos estes clubes como voluntário, sem salário. Fui pela vontade e pela oportunidade que as pessoas me davam para passar alguma coisa para frente, colocar aquilo que você viveu para as pessoas.?
Além de continuar como um agente ativo no futebol, a vida de Adil se tornou tema de um livro. Em 2021, o historiador e escritor Nei Medina lançou ?Adil, craque na bola, craque na vida: uma história de superação e conquistas?, narrando a trajetória do meia. Nei Medina, amigo de infância de Adil (a quem se refere carinhosamente como Nica), tinha um motivo especial para querer contar sua história. Inicialmente, Nei produzia uma obra sobre personagens esportivos e fatos históricos de São João Nepomuceno. O projeto, que resultou em 350 páginas e 25 delas dedicadas a Adil, ficou engavetado por questões financeiras. No entanto, uma nova possibilidade surgiu quando Adil mencionou que alguém em São Paulo queria escrever sua biografia. ?O Adil chegou para mim e disse: 'Tem uma pessoa em São Paulo que quer escrever a minha biografia'. Aí falei assim com ele: 'Nica, se você confiar em mim, eu escreveria sua história'. Ele disse que queria. Aí fui enriquecendo o conteúdo, e as 25 páginas se tornaram 121?, contou Nei, que utilizou fitas VHS, recortes de jornais e outros documentos para enriquecer a narrativa.
Sessenta Anos de Triunfo: A Filosofia de Vida de Adil
Família, filhos, amigos, relacionamentos, vida social. Adil celebra seus 60 anos com as limitações motoras que aprendeu a gerenciar nas últimas duas décadas e meia. Apesar de caminhar com dificuldade, auxiliado por muletas, ele jamais cessou de seguir em frente, aceitando a vida como ela se apresentou. ?Eu não sei de onde tirei forças, é coisa de Deus realmente. Sou uma pessoa muito grata de ter conseguido fazer o que eu gostava e queria ? que era jogar futebol e depois aceitar o acidente?.
Adil reflete sobre as experiências vividas, tanto positivas quanto negativas. Ele rejeita a ideia de depressão ou de se entregar às adversidades. ?As pessoas falam em depressão, da pessoa não querer mais viver, se entregar, ficar entrevada. Eu não! Procurei tudo que poderia me ajudar. Fui privilegiado e abençoada por Deus, o lado negativo jamais me pegou.?
É por meio de seu próprio exemplo e de uma vida plena de alegria, cercado pelas pessoas que ama, com um astral elevado, que Adil transmite uma mensagem poderosa neste novo ciclo. ?Sou muito feliz, acima de tudo. Ah, eu gostaria de jogar uma pelada? Sim, mas isso não me incomoda. Deus me deu a oportunidade de estar vivo, porque poderia ter sido um acidente fatal. Como eu superei esta fatalidade, eu consegui e procuro transmitir para as pessoas que nem tudo está perdido. Eu poderia ter partido há 25 anos, mas já que eu fiquei, alguma coisa de bom eu tenho que deixar aqui?, concluiu.
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